terça-feira, 24 de novembro de 2009

O oitavo pecado capital

Em um dos muitos devaneios da vida, estavam lá, os dois e o resto do mundo. Mas só havia os dois e mais ninguém debaixo daquela lona. Uma música apenas foi o bastante pra unir ele mais ela e fazendo os fluídos corporais tornarem-se um só. Um corpo. Uma linha. Um movimento. À cintura o braço que aperta pra dentro do corpo do cabra o ventre quente. Não se alembrava se já era noite ou se tava amanhecendo dia. Ele queria mesmo que os relógios todinhos do mundo parassem, praquela coisa toda boa nunca de se acabar!


Aos pulmões o perfume em seu cangote. Seus negros cabelos em seu rosto. Ela dança que só sendo. Sabe quando você anda o dia inteirinho, com um sol que tá mais pra maçarico, escorrendo água pelo quengo, cheio de sede, com a goela mais seca do que o sertão, aí, tu avista um copo d’água e se pica de uma vez só pra matar aquele copo numa talagada só? Pois, é. Era assim mesmo, igualzinho, igualzinho. Só que em dobro.


Quando gira, sua saia vira um disco, uma vitória régia que dança e espalha todo o pólen. Quando ri, mostra sua luz num sorriso largo e nos olhos, os desejos que os toma: um álibi para o crime perfeito. Ela é, como diz a música qual dançavam, o “oitavo pecado capital, a quinta estação”.

Olhe, as canelas de de João ficaram da cor da poeira do chão de terra batida, que só nessa terra tem mesmo. Dava até gosto de ver aquele rala bucho. Nunca vi um casal mais bonito em toda essa vida. Visto que só pode ser nessa vida mesmo porque nunca tive outra. Mas pra João, coisa assim era fácil. Aquele ali vende até casa pegando fogo de tanta lábia que tem. E mulher, sabe como é, gosta de uma conversa miolo de pote. E tudo fica mais fácil depois de tomar a água que passarinho não bebe. Aí, já viu! Não preciso nem dizer o final da história.


Na verdade verdadeira mesmo, preciso sim. Acontece que João não sabia que tava se engraçando com a mulher do cabra mais mordido de toda região do Vale do Carapanã. O dito cujo atendia pelo nome de José Messias, que de Messias mesmo, só o nome. O Cabra era tão ruim, mas tão ruim que até o Cão cagava quilo pra ele. Pois bem, lá pelas tantas, João mais Pureza [esse era o nome da fêmea!] se aresolveram de se atracar bem ali, no meio do forró.




João - Ôxe, morena, tu tava na fogueira, é?


Pureza - Eu não, porquê cê tá me perguntando isso, homem?


João - Porque teu corpo tá pegando fogo. Olhe pra mim, to até desidratando.


Pureza- Deixe de besteira! Até parece que não sabe que aqui, quando num tá calor, tá quente... Olhe só. Meu colo tá todo molhado.


João - Deixe que eu assopro. Com todo respeito.


Pureza [sacudindo o vestido , como quem se abana] - E assopro resolve não. Eu sinto muito calor. É de família. Todas as mulheres da minha família são assim... vou abrir um pouquinho o meu vestido. Você se importa?


João - Mas é claro que não! Confesso que até que gosto.


Pureza - Só não quero que ache que eu sou, assim, uma safada, que abre o vestido pra qualquer perna de calça que aparece.


João - De jeito nenhum! Quando disse que até gosto, foi querendo dizer que admiro mulher assim... [escolhendo palavras] determinada, de peito, entende?


Pureza - Ah, sim. É verdade. Se tem uma coisa que eu tenho é peito. Meu filho, quando eu quero uma coisa eu vou até o fim do mundo e busco. Seguro com força.
João - Com força, é? Ai, meu Padin Ciço!



Pureza - Exatamente. Seguro com força na mão de Nossa senhora. Porque se tem outra coisa que eu sou, é religiosa. Tenho uma mania de me pegar com santo, que só vendo. Pra qualquer coisa eu rezo. Mas só pode ser de joelhos.



Foi aí que João acabou de perder todo juízo que não tinha. Pureza se riu e, numa explosão segurou João pela camisa de modo que saíssem os dois dali.




Pureza - Ai, vamos sair daqui, preciso tomar ar.




João sabia o ar que pureza queria tomar. E tava disposto a dar.



João [tentando passar uma lábia] - Já lhe contei que que já fui seminarista?




E foi justamente nessa conversa miolo de pote que Pureza e João terminaram por comer todinha a fruta do pecado, logo ali.




Pureza [de modo muito do safado] - Ai, João, me respeite que sou uma mulher direita.


João - E eu não sei? Estou constatando. Toda direitinha!


Pureza - Ai, João, tu não me pegue!


João - Olha que pego!





E esse “pego – não – pego” num repente acabou. O que sucedeu foi que José Messias , o cabra mais mordido de toda região do Vale do Carapanã apareceu, procurando por sua esposa.




José Messias [chamando alto] - Pureza! Aonde é que tu ta, mulher?! Se tiver com algum cabra safado, ele vai comer bala por outro buraco que não é a boca!


Pureza - Ai, João, é meu marido!

João - Marido?!


José Messias [chamando alto] - Pureza, é tu que ta aí, safada! Eu acabo com com tua raça, rapariga! Tua e de quem mais estiver aí!


João - Por que você não me disse que era casada?


Pureza - Ôxe, porque você não me perguntou. Vai lá, deixe de ser frouxo e enfrente o homem. Por mim. Diga que eu não to aqui não.


João - O marido é seu e eu não tenho nada a ver com isso. Eu quero e salvar o meu bucho. Se esse cão da costa oca me pega aqui mais você, eu to lascado!


Pureza - E agora?!


João - Tu não disse que era apegada com santo. Reza, bichinha. Reza por nós dois!


Pureza - Se oriente, homem. Se oriente!


João - Medo pesa?

Pureza - Claro que não, homem.


João - Então acho que estou todo cagado.


José Messias - Pureza! Apareça, mulher!


João - Ai, Jesus, já consigo Te ver...



Pureza - Ôxe, que cabra mais cagão é tu, João. Não honra essa chibata aí no meio das pernas, não é?


João - Honrar eu até honro. Mas hoje eu abro uma exceção.


Pureza - Então se pique daqui, vá!


João - Como se fosse possível. Querer, até quero. Mas minhas pernas não permitem...Ave Maria, cheia de graça...


Pureza - E é hora de rezar, seu fresco?

João - Se ajoelhe e reze comigo.



José Messias entra numa carreira e a mulher se desespera.



Pureza - Ai, José, tenha piedade, pelo menos de mim, que sou sua esposa!


José Messias - Tu ta aí, safada! Vou passar ferro nos dois! João! Homem, tu ta vivo?


João [de costas, tremendo mais do que vara verde] - Por enquanto.


José Messias - Levante-se, homem... e venha dar um abraço em seu amigo!


Pureza - Amigo?


João [virando-se] - José?! Mas... é você? É você o marido de Pureza?


José Messias - Mas é claro, homem! Vocês já se conhecem?





João e Pureza, nervosos, respondem juntos.





Pureza - Não!



João - Sim!



José Messias - Não estou entendendo. É sim ou não?!





João - Sim e não. Eu estava justamente perguntado á sua esposa sobre você, meu amigo. Estou chegando hoje aqui e, como sei que o compadre é conhecido por estas bandas, me arresolvi de fazer uma visita. Nem tinha ciência de que purez, quero dizer, Dona, Pureza, era sua senhora.





Pureza - Era isso que eu estava tendo dizer, meu marido.

José Messias - Então, está tudo resolvido! Vamos até minha casa. Vai ficar em nossa casa e por quanto tempo quiser. Só não entendo o porquê da reza. Deu pra ser religioso agora, cabra?

João - É o pecado, compadre José. É o pecado...


Os três caminham rumo à casa de José Messias, o cão da costa oca. E foi assim que João conseguiu salvar seu bucho, pelo menos, desta vez.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Mais um dia

O Sol, já frio, dá adeus e desce.

Suas costas fizeram o crepúsculo

Em instantes o azul ficou rubro

E neste mesmo compasso

A Lua imperou no Céu que de amor carece

E, por isso, baixinho, ele faz uma prece

Vê - se, então, uma gota de chuva

De seus túmidos olhos rolar

A Lua, complacente, alumiou

Seu coração de nuvem

Como se ali uma noite quisesse morar

Tendo o Céu correspondido

Fez de seu amante o mar

E esse amor dura o infinito

Até o Sol de novo raiar.

[30/05/07]

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Num dia.

era um dia lindo
um sol amarelo
era festa
era um samba
cerveja
dança
dança
dança

era um dia santo
um gesto profano
eram olhos vivos
dentes
beijos
gentes


eram muitas cores
eram mil sabores
pernas fortes
bundas lindas
voz de homem
um nome
um nome
um nome

uma luz de dia
um corpo pulsante
era um batuque
uma alegria
antropofagia
uma alegoria
era uma menina
uma menina
linda
linda
linda
linda


o coro dizia "parabéns pra você!"
tudo isso num dia:
num novembro de carnaval!

Negros cabelos [João de Barro]

Andei atrás dessa música por tempos. Descobri um verso dela em minha mente. Agora eternizo aqui.


Negros cabelos que me levam
Quando passam por aqui
E me arrastam os desejos com tal liberdade
Minha flor, minha vaidade,
Meu álibi!

É o oitavo pecado capital é a quinta estação (ô-ô-ô)
O desejo mais mortal é a minha visão
Que me arrastam os desejos
Pela madrugada da pá virada
E planta flores no meu coração

Curvas que levam o pensamento
Brilham com a luz do luar
Que me passam ligeiro como vento
Consciente entendo
Quero te namorar

Já são oito horas e te aguardo no meu portão (ô-ô-ô)
Não sei como mais chamar a sua atenção
Meu coração sozinho não vai mais por esta estrada
Que a vida me deu sem uma grande paixão!

terça-feira, 27 de outubro de 2009

[Des]humanidades

Entre helicópteros, tiros, caveirões e notícias de [tele]jornais das últimas semanas, temos entremeado o vazio, o choro, o desespero, o sangue, o medo e a descrença. Pior que isso tudo, como efeito colateral da brutalização e o afastamento de nossas relações interpessoais, acabamos por confirmar que Darwin estava certo, quando defendeu a idéia de que havia, sim, entre os animais, a mutação, decorrente à adaptação ao meio, como forma de resistência: O que confirmaria a evolução das espécies. Neste ponto, infelizmente teremos de discordar do velho Darwin. O que didaticamente recebemos é que sobrevive ao meio aquele que é mais forte e, consecutivamente, evolui. Mas vemos hoje o processo oposto, em parte: sobrevive ao meio aquele que é mais fortemente armado e, consecutivamente, involui. Caminhamos rumo à barbárie, desumanizamos a vida e nos tornamos impotentes.
Já não mais nos toca as notícias diárias de confrontos armados, onde não mais pessoas morrem, mas sim, números, meras estatísticas. Tudo parece tão distante de nós, mas, ao mesmo tempo, tão perto, que nos deixa confusos quanto aos sentimentos. E de onde nasce, ou melhor, de onde se aborta esse projeto de humanidade? Eis uma pergunta que antes mesmo de ser concebida, se cala por falta de pensamento para produzi-la e voz para torná-la audível. Perdemos, gradativamente, a nossa identidade e com isso, estamos longe da imagem e semelhança de um Cristo que encarou tudo e a todos, por um propósito. Propósito este que nos incluía, sendo seus seguidores ou não. Hoje, construímos uma blindagem em torno de nós mesmos, a fim de nos protegermos das outras pessoas, visto que são uma ameaça. A justificativa é unânime: “não sabemos em quem confiar”. Jesus, em sua trajetória, também sentiu medo. Contudo, fez algo que não aplicamos: Ele se permitiu aos demais. Confiou na possibilidade da mudança do outro.
A descrença é fruto dos fracassos e da não humanidade do próprio mundo. E a inércia é a única alternativa [ pelo menos, é o que nos parece] de mantermo-nos vivos. Você vale aquilo que tem e não mais aquilo que se é. Uma pessoa se faz importante pela quantidade de cifras acumuladas em sua conta bancária. Ser bom tornou-se sinônimo de ser bobo, fácil de ludibriar. A sociedade, a cada atrocidade, a cada “não” dado ao que precisa de ajuda, violenta, crucifica mais uma vez o mesmo Cristo que disse sim á nós. Devemos reavaliar a nossa postura, como seres humanos, pensantes, agentes transformadores, e, sobretudo, cristãos, quanto ao panorama que se nos salta aos olhos.
Prender, matar, excluir é realmente a solução para um problema que é de todo mundo? Rodear-se de alarmes, muros e ser monitorado por câmeras possibilita maior qualidade de vida? Precisamos acreditar que estas não são soluções, mas interrupções. Tais ações interrompem a possibilidade de estabelecer com o outro uma relação humana e nos reduz a condição de moribundos. É preciso resgatar os valores que deixamos de lado. É preciso ressuscitar o Cristo que há dentro de cada um de nós, para que seja possível [re]construirmos uma civilização cujo respeito exista, onde estejamos todos vulneráveis ao amor.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

quando nasci, prenderam-me dentro de mim.


disforme no meio do universo-corpo. eu, hipérbole-interjeição-tropical. eu. de dentro pra fora. arte-caos. arte-grito. arte carne-viva. anti-arte. anti-eu.luto contra mim porque sou meu próprio inimigo. mas também sou meu herói.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

cansei

cansei. escrevo para ninguém ler. simplesmente escrevo por impulso. Quando escrevo faço uma linha, desenho uma trajetótia, que parte de um ponto -eu- e que deveria[!] chegar a algum lugar - o outro. mas não chega. Então é uma energia disperdiçada no espaço. Em vão. è um movimento nulo. Uma inação. Um não objeto. Um vazio.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Gêneses

No inicio, era o vazio. E então, fez-se a luz: ganhamos o dia e a noite. Depois veio o firmamento que separou as águas: fizeram-se o céu, a terra, os mares. Aí, vieram as plantas, as árvores, frutos com sementes para nascerem novas árvores; o sol, a lua, as estrelas... Até aí, já era o quarto dia.
Criaram-se animais de todas as espécies e multiplicaram-se pela terra. Aí, chegou a vez do homem. Do homem tirou-se a mulher e a eles o domínio de tudo. Ao homem deu-se a capacidade de criar coisas:
Roda, sapato, cadeira, carro, reino, exército, jogo, bússola, cave, ventilador, macarrão, rádio, muleta, tesoura, livro, fogo, remédio, barbeador, soro, eletricidade, escrita, coca-cola, bandeira, chocalho, navio, parque, canudo, chuveiro, bossa, casa, arte, jardim, escada carrinho de mão, morte, náusea, fio, apostila, aliança, telefone, trombone, país, luta, imposto, desgosto, guitarra, laço, abraço, cruz, graça, desgraça, cachaça, gilete, amor, malandro, machado, cigarro, sexo, nexo, caneta, raiva, caneca, cinema, política, voto, jato, beijo, lixo, família, emprego, teatro, jornal, sífilis, manta, passagem, grade, garrafa, chinelo, internet, loto,asfalto, metrô, balde, inchada, chafariz, muro, estupro, revolução, ciência, dança, desinfetante, espumante, banheiro, férias, salário, palanque, auto-falante, sofá, buquê, noiva, vestido, mochila, dinheiro, tapa, carta, saudade, descarga, pizza, bingo, fuzil, estante, texto, ator, dentadura, vassoura, chiclete, vedete, saia, perdão, grampeador, mercado, calculadora, gaveta, escola, carnaval, casamento, abridor de latas.
O homem precisou de muito mais de sete dias para criar tudo isso. Estamos longe do que o mundo era antes. Somos auto-suficientes, inteligentes e ultramodernos. Ninguém mais vê o vazio porque ele se escondeu. O vazio está aqui, dentro de nós.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Outros fragmentos

“... E se eu parar de falar será porque não existe mais nada pra ser dito, se bem que nem tudo foi dito, se bem que nada foi dito...” [S. Beckett: Malone dies]


- Escrevo porque é a única coisa que me resta. Porque escrevendo minha alma não resseca e meu peito também não. E assim, vou enganando o tempo e tentando deixar viva a trajetória de uma vida inteira nas páginas encardidas e empoeiradas de minha memória. E assim, vou esperando a história, com h maiúsculo, resolver tornar-me visível. Mas, a partir de quando um cadáver se torna um cadáver histórico?
Além disso, escrevo para ver se ela volta. Mesmo que venha somente para me dizer “não”. Escrevo para que um dia eu possa pedir perdão por tê-la amado tão intensamente. Tão secretamente.
Hoje só me resta memória. Uma memória que não me traz nada além da ausência. Sem essência, sem nada. Oca como o vácuo. Como meu peito.
Chamo-me Domingos Dias Pereira. Sou brasileiro. Filho de pais brasileiros. Cristão católico. Morador do Rio de Janeiro. Introspectivo. Triste. Vivo entre livros. Descobri-me um homem de letras quando, na tentativa - inútil - de falar tudo o que sinto (um dia) para a mulher de minha vida, passei a escrever. Mas nunca, apesar de escrever sempre, entreguei as cartas.

Domingos sonha. Sonha em ter com ela uma vida. Uma eternidade. Para ela, Domingos é somente amigo. Pra ele, ela é somente tudo.

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terça-feira, 25 de agosto de 2009

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Outra nota para o dia de hoje.

o Teatro é o meu samba!

Pena que o carnaval já passou...tudo após, vira Bossa.

Nota para o dia de hoje.

Uma sensação trans-material

Eu já não faço mais parte do lugar que antes era meu também. Eu já não me sinto tão dentro também, mesmo que eu faça algo, sempre ou não.Já vejo os portões enormes e brancos tão longe que chegam a confundirem-se com a poeira acumulada nos velhos objetos da estante. Pois é, coloquei o meu sonho na estante, assim como os velhos livros que nunca li, mas sempre estiveram lá.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Copo de vidro

Por Eliza Viana.
Ler em seguida "Entre copos e cacos".



“Foi na hora em que você não viu. Sem ser muita novidade, posto que, não raro você não estava olhando. Por isso mesmo, há de ser um mistério para a vida inteira. Um vento bateu na hora. A força do espírito santo. Um mau agouro. Ou uma mão cheia de vontade pegou com força o copo e o fez espatifar-se com gosto, em mil caquinhos, no chão. Você não viu. Você não sabe. Nunca saberá.

Agora está assim: irremediável.

Copo de vidro não é cobra de vidro, eu bem já lhe havia dito. Mas você não conhece, nunca nem ouviu falar em cobra de vidro e julgava que o copo estivesse bem guardado. E eu, embora tenha na paciência uma das minhas grandes características na vida, não tive paciência - ou foi vontade mesmo - para explicar. É porque você, além de nunca querer ouvir, não entederia. Não é capaz de perceber que se você deixa por aí largado o copo, cheio ou vazio, pode mesmo acontecer dele cair e quebrar. Difícil? Não.

Copo quebrado todo mundo sabe que o remédio único é varrer e jogar fora os cacos. Minha mãe também me ensinou que, depois da tragédia feita, é bom andar calçado porque sempre ficam uns cacos e se pode cortar o pé. Eu aprendi.

Mas então, agora, depois do chão já limpo, você vem para catar os cacos e saber do que aconteceu. Caiu, quebrou, passou. É só o que eu lhe digo.

O chão já está limpo, já disse e odeio me repetir. Eu já estou pronta. Já tenho um jogo novinho de copos de cristal guardados numa charmosa cristaleira - "resiste ao tempo e às boladas que levou". Aliás, vai ver foi isso: umas crianças jogando bola, é assim mesmo... entra pela janela, bate e sempre quebra alguma coisa. A gente grita, reclama com os pais, mas no fundo não liga não. Acha até bonito, engraçado, coisa da idade.

Então pronto. Expliquei. E daí se não é verdade? Podia muito bem ser. Se o que você queria era entender está tudo certo. Agora eu preciso ir, atrasada para um compromisso importante. Você faça o favor de ir embora porque eu já disse - e era o mais importante que, como sempre, você nem se importou: era copo de vidro e não cobra de vidro. Porque cobra de vidro é uma espécie de lagarto que se você parte ‘dois, três, mil vezes, facilmente se refaz’.”.

Entre copos e cacos

Eu sei que copos quebram e que cobra de vidro se refaz. Sei que o réptil se adapta ao clima e que os copos, em certa medida, também. Se você põe gelo, ele sua, se põe café, ele queima. Mas copo de vidro quebra em mil pedaços, estilhaços e aos cacos só restam o lamento de quem os quebrou, uma pá, vassoura, saco de lixo, lixo, nó.
Eu sei disso tudo. Mas também sei de uma coisa que você, com todo conteúdo de copo cheio e toda estranheza de cobra de vidro, que não sabe de si, oscilando entre ora cobra ora lagarto, não sabe. Que vidro corta fundo, rasga pele, corta tendão. Pior que isso, copo de vidro vira caco que para no lixo. Mas copo de vidro também vira pó e esse ninguém vê. Você não vê. Nunca viu.
Enquanto você vem em cacos pra mim, cortando meus tendões, eu vou em pó de vidro e invado-me os pulmões até fazer cerol com muco e sangue. Afio cada fio de palavra e cada corda vocal...
Fiz o favor de não falar em demasia, visto que quem fala demais acaba não escutando a si mesmo. Fiz o favor de não contra-argumentar suas idéias tolas, sua frieza de copo de vidro e esse seu ar metódico de ver o mundo. Vai ver foi isso. Esse seu ar metódico não suportou o meu desprendimento e acabou quebrando o copo. É assim mesmo. Liga não. Os cacos cortam, cortam bem, menina. Cortam fundo. Sua mãe fez bem em ensinar que é bom se calçar depois de tudo feito. Mas não só isso que se aprende não. É difícil, né? Ah, esquece, não precisa entender.
Acabo aqui: te cortando, lentamente. Espedaçando você, cobra de vidro. Que de cobra não tem nada. Sabia que se aprende a se calçar depois de ter cortado o pé. É preciso cortar o pé. Sua mãezinha não falou? Aposto que não. Sua mãezinha é egoísta, sabia? Te poupou a dor. Que estrago que ela fez em você. Olha como sua pele é lisinha. Gente de verdade tem a pele desfigurada, pra acompanhar a alma. Se eu fosse você, corria logo. Pega um caco de casco de cerveja e faz um talho nessa sua cara. Vai, acompanha a sua alma. Ela é sua.

Mas eu sei. Eu vi. Você, não.
Você não sabe nada. Nunca soube... Ah, pode comprar quantos jogos de copos de cristal quiser porque a questão não é essa. Não é agora. Sempre foi assim: Irremediável.

depois de uma pergunta, uma resposta.

-você ainda tá em demolição?

sempre. mas não tô na demolição, entende?
o processo de demolição é consatanre. pra não se habituar com que se tem e estagnar...
tô tentando... pra isso,troco de imagem.
e por isso eu troco sempre. não quero me habituar a mim mesmo. ser sempre eu mesmo me cansa!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Carta ao sorriso.

"a amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade e cultivarmos algumas pessoas".
Drummond quem disse.Concordo em parte. Gosto da ideia de cultivar os outros porque isso nos aproxima de modo diferente. E cultivar algumas pessoas é um trabalho, acima de tudo, dignificante. Isso nos faz diferentes. Nossas ações, pensamento tornam-se diferentes. Coisas assim fazem com que outros não nos compreendam. Pessoas comuns, com pensamentos medíocres nunca irão entender um abraço apertado, um beijo, uma risada rasgada daquelas que todos ouvem e poucos compreendem e compartilham.Pra esses que não entendem só devemos fazer com que eles vejam!Vejam que não temos o pudor em sermos quem somos e como somos: Humanos. Por vezes o verbo não se faz necessário para nós, visto que já sabemos do que o outro precisa. E isso é possível porque temos uma Luz que é alimentada pela vida do outro.Por isso que somos diferentes. Porque temos essa Luz. Porque temos algo que nos une, que forma a Amizade: o Amor: o Deus.
Quando digo TE AMO, desejo o Deus e a Luz e direciono a minha vida para alimentar a sua Luz, tudo ao mesmo tempo. E quando damos um sorriso, um abraço um beijo ou até mesmo uma risada significa que as nossas energias entraram num choque tão grande que transcenderam a palavra dita e audível e se transformaram em nós mesmos, juntos, a personificação do Amor, do Deus, da própria Luz. Essa personificação tem nome. Ela se chama Amizade.

Obrigado pela Vida que alimenta a minha Luz!
TE AMO!
"Cada um pode com a força que tem na leveza e na doçura de ser feliz."
[Vanessa da Mata]

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Carta ao espelho.

salve!!

Como tem passado? Espero que bem. Este semestre tenho pensado bastante sobre minhas escolhas, gostos, inclinações e estou conseguindo, na medida do [im]possível, estabelecer conexões entre minhas aptidões e gostos, a fim de transformar em algo. Algo que seja mais que visual. Algo em que eu possa realizar de dentro-pra-fora, com o propósito de mostrar[-me] livremente[ou quase] ao mundo e causar-lhe afetações. Talvez o meu contato com o teatro esteja me influenciando durante esse tempo todo. Ou não. É difícil assumir esse compromisso, mas tenho que tentar. Me falta certa lucidez ao fazer escolhas. Não sou bom nisso. Em fazer escolhas. Odeio a idéia de ter que me prender a uma escolha. Sou instável e essa instabilidade que é igual a mim, deixa-me sem forma. E é assim que me vejo: Algo sem forma. Gosto disso porque, já que não tenho forma definida, posso, na hora que me convir, assumir a forma que eu quiser e depois, desmanchar isso tudo. Ando vendo filmes, assistindo peças de teatro, exposições, ouvindo músicas...e acabei lembrando de uma coisa que você havia me falado, que eu tenho um traço expressionista.
No primeiro momento, não tinha muito me agradado com isso, de ser “expressionista”. Minha associação direta da palavra foi a Van Gogh e, confesso, por não conhecer a sua história e tampouco sua arte, não gostava dele. Tinha implicância com coisas que não fossem brasileiras, para me inspirar, guiar ou qualquer coisa. Prezo por certa brasilidade... Andei revendo os meus trabalhos e consegui enxergar alguma coisa. Meus trabalhos, os traços, parecem ser feitos com pressa, com vontade, desespero. Não sei, parece-me, agora, que eu quis falar alguma coisa e faltou a “boca” para fazê-lo. Aí, lembrei de Van Gogh, Beethoven, dos traços fortes e a “desconstrução” da forma de Picasso, Ivan Serpa, Bacon; dos textos de uma dramaturga chamada Sarah Kanne, do também do dramaturgo Peter Brook e do escritor Anton Tchekhov.
É nisso tudo que estou mergulhado agora. Não deixei de praticar. Ando criando, experimentando, tentando me achar nisso tudo.Tentando achar meu “estilo”.
Você sabe me dizer se há quem trabalhe, pesquise o expressionismo ou a arte de Picasso ou algum desses que eu mencionei? Gostaria de estudá-los mais profundamente.

Um abraço.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Um fragmento que, não propriamente, fará parte da História.

-... parece-me que há um delírio... como em uma febre alta, um estado que transcende a lucidez, uma espécie de sonho, confuso.
Pega a caneca de louça vermelha. Põe o café.Toma todo o café da garrafa, lê sem atenção a correspondência que está há três dias em cima da mesa da cozinha.


De repente, uma fração de lucidez e possível indignação sobre a vida
e ...
a sensação de que tudo que foi feito não surtiu efeito,
em vão...
decepção! por não ter as coisas e pessoas do modo que imagina e espera. Relê a correspondência. Era uma carta da Nina dizendo que ficaria por mais um semestre em Madri porque era linda e porque tinham renovado o contrato dela por mais seis meses.

- Merda!

Depois de uns minutos disse para si, mas olhando para a carta:

- Que bom que estão gostando do seu trabalho. Você tem talento...talento para me deixar puto nesse buraco. E ainda vamos nos casar...


Indignou-se com a capacidade de tentar cobrir a carne viva, exposta da vida real com fantasias, sonhos. Quando se depara com o real - que choca-, o peito bate com disritmia...

"... tudo aqui é muito lindo, Carlos. Você precisa vir pra Madri. As coisas acontecem aqui. Sabe que nem sinto saudades do Brasil?..."

O incômodo, a dor que é a própria vida. Aqui, Carlos deixa de sonhar:

- O dia, lá fora, no mundo, está tão bonito. Todos felizes com a chegada do circo, pensou. Era como se o amor tivesse chegado com o domingo. O domingo que parece o último dia. Último, solitário, frio, vazio, humano. - É o domingo. Disse para si.
- O meu domingo chove... o do resto do mundo, não.E em Madri...
...
Confusão mental. E em um surto causado pela dor: Delírio. Mais. Pega a faca e, impulsivamente, faz ponta num toco de lápis esquecido na fruteira com três maçãs, uma banana apodrecida, uma laranja mofada, papéis velhos e cigarros apagados:

Com minhas tolas incertezas – tantas
- teci a mortalha do corpo em mim ainda vivo.
O corpo não comigo é sopro
Que se pode pegar com mãos não.
Vida fio de navalha, corta corpo vil e sangra.
Esvaiu-se alma, riso resto.
Acabou.

Confuso e indignado com o próprio ser acaba por matar a poesia que nele também é viva, parte dele, com a existência da verdade – mesmo ela sendo difícil de se ver - . Põe a poesia como um entorpecente do ser poeta, que de nada vale, a poesia. A não ser para embriagar a alma em farrapos...

Vem à tona todos os sentidos misturados, como se fossem eles - os sentimentos e eles, propriamente - um só. Sinestesia. Senta em frente à máquina de escrever, que fica numa mesinha de madeira maciça em frente a janela e escreve, de pés descalços, sem camisa, em vermelho:

- Por quê?

Auto pergunta-se, depois de tanto sentir.
já entorpecido de si, ameniza a própria dor de ser. Bebe café. A alma,lágrima.
Eis o ponto cego: a dimensão de dentro do próprio ser. Ele, dentro, que é a própria confusão, o acidente de si mesmo.
a vida esvaindo-se, o sol apagado pela boca do anjo que o engole e leva: leva a luz e deixa o vazio - de novo -, o frio, o anti-ninho. A morte.
despede-se da vida, de si mesmo afogado nas suas próprias verdades...na sua própria dor, na sua própria vida.
Docemente. Mais um dia, a vida o matou...

Passam-se sete meses

: agora, que não sou mais um feto, que não tenho a proteção de um ventre e todos os cuidados maternos intra-uterinos, sou impelido a respirar um ar pesado e sujo, de um mundo torpe e caótico que também ajudei a fazer. Um mundo que odeio com tanto amor. Um mundo que antes de me deixar vivo, me mata, se não me movo. É preciso sair do útero porque ele te trai. Se ficamos por pouco tempo, nos tiram a maturidade e somos cuspidos faltando parte. Se ficamos por mais tempo, nos cospem além de maduros.Como frutas mofadas e podres. A única possibilidade humana de ser vivo é ficar fora do útero e deixar de ser completo. É machucar-se, ter faltas, vazios, desejos, risos. E doer. Por isso, decidiu que não poderia mais ficar dentro de casa nem mais um minuto.
Do jeito que estava foi porta a fora.

-Eu mesmo cuspi-me do útero-casa, assim. E com o instinto de animal que sou, andei até achar o mar. E ali estávamos os três:
o mar, o mundo, Eu e mais ninguém.
senti o infinito tão intensamente solto que invejei mais uma vez(porque invejava sempre!)o mundo, o mar e o universo. Isso é uma injustiça maior do que tudo.
Eu não quero acabar um dia. Não.

Carlos ficou ali, entre o mar e o mundo por alguns minutos. Até que o mar urrou para ele em forma de ressaca, como se estivesse expulsando-o dali, como se o dessesse:

- Vá embora! Saia! Não se aproxime!

Carlos não se intimidou com o mar e urrou pra ele também. Agora, eram dois leões e o mundo.
Carlos atacou o mar de peito aberto, e como toda fera tem presas, o mar mastigou Carlos inteiro e Carlos, Carlos batia no mar, dava-lhe patadas, urrava: mais. Neste ínterim, o mundo estava lá e não fazia nada porque não sabia fazer nada além de ser mundo.
Mar é bicho brabo e Carlos sabia disso. Só que Carlos é bicho traiçoeiro. Pior que isso, é bicho-homem. Mas depois de tanto um bater no outro e outro bater no um, suas feridas vazaram e o líquido quente de Carlos e o líquido gelado do mar se misturaram e formaram uma pasta quase homogênea. O sangue do mundo.
O bicho-mar, cansado, cuspiu o bicho-Carlos no mesmo instante em que ele cuspira-se do mar. Saiu da boca do mar. Peito aberto e arranhado, seus cabelos lambidos. Cheio até a alma de areia. Seu corpo e todo resto lavado de água, sal e sangue.

-Andei devagar até a areia e parei. De pé. De frente pro mar. Como antes.

Sentiu a arrebatadora ventania fria dos dias de agosto. Percebeu que seu corpo, quando lutava com o bicho-mar e consigo, era verão. Fora do mar, seu corpo era inverno como o mês de agosto.
Sentiu frio de arrepiar a nuca, escamar a pele, bater o queixo e doer as articulações:
estava feliz.

Após reconhecer a natureza em si e reconhecer-se nela, foi. Andou pelo mundo, que no final das contas, também era ele mesmo.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Que mistério tem Clarice?



,e ficou sozinho no salão repleto de gavetas com partes da vida dela. A irmã, de cabelos curtos, novos, escarlate, deixava-o para sentir sozinho, com ele mesmo. O salão cheio de pessoas reverberou todo o som por elas produzido. Quase uma gritaria.
No momento, por um momento, suportou. Mas, o incômodo comeu a tolerância e o tomou de todo. Sentiu nervoso de ver e sentir tanta gente. Angústia de ouvir o bater das gavetas, como se todos procurassem desesperadamente por algo. O que seria?
Desistiu.
Saiu tensamente angustiado do salão.
Foi vê-la falar. Migrou, agora, para um estado de calma e quase paz. Ela rígida, com o sotaque, fazia-se - quase - difícil de ser compreendida. Em, sua aparição plana, para ele, uma espécie de epifania. Viu que ela tinha sotaque e admirou-se. O som da voz. A própria voz. Ela inteira: apresentava-se por detrás de uma espessa camada enigmática. Ela. Que mistério tem?
E lendo suas palavras, agora entende, não lê somente um grupamento de letras que formam palavras, que formam frases, que, por fim (?) formam idéias. Não. Lendo suas palavras ele descobre que,
na verdade lê ela mesma. Em forma de uma literatura que dói. Porque é a própria vida. Quase fabulada. Ela, que mistério tem? Todos.
Nenhum.
Ela: o próprio mistério. Ela:
universo.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

divagações...divagações...


O relógio me prende a um estado contínuo de estar. Mas é que sou e ponto. E ponto? Não. Além de ser, estou. Sim! Estou sendo. E estar sendo é muita coisa. Isto é bom. Mantém vivo, tudo. Em absoluto. O dom de existir dado pelas dores e pelas não-dores do sentir revigora o corpo [gasto pelo mesmo tempo] que luta consigo mesmo na busca da auto-afirmação de ser o que é e o que se é e: corpo vivo.
Então, se sou corpo vivo, devo ter por necessidade - se não tenho, necessito necessitar - sentir a dor que é a condição de estar vivo. Sentir o todo no tudo de mim: o mundo.O enfrentamento volátil entre o eu - mundo e o outro - mundo para que eu não seja capaz somente de ver-me. Mas ver o outro, causar-lhe afetações e sentir-me. Para ser livre. Mas, o que significa? Quanto a Liberdade, não sei e por isso penso. Tento. Descubro que pensar é difícil porque te exige [antes mesmo de pensar] o pensar em pensar. Ou seja, antes de pensar a coisa, pensar em pensar a coisa. Talvez isto justifique a ausência de prática do pensamento no mundo, transferindo as energias para o falar. Fala-se muito e não se pensa com o mesmo peso. A idéia que antes transitava, agora se mantém inerte em seu estado de Ser-para-sempre. E o Homem apodrece antes mesmo de germinar. Mas tudo isso porque ele é livre, porque pensa, ou melhor, acha que pensa que sabe o que é Liberdade. Prefiro não saber até depois de morto - não só de corpo -. Deixa a vida mais instigante e mais humanamente crua. Sem “ismos”, rótulos e enquadramentos. Disforme.

Como eu.
[080908]

quarta-feira, 1 de abril de 2009

antítese



Enquanto uns prometem a "esperança", outros dão o choque...de ordem.

Enfim, formada!

Afirmativas:

Eu deixei o pássaro voar.
Eu bati as asas do pássaro.
Obriguei o pássaro a voar e
prendi-me na gaiola.
Pára todas as minhas
funções vitais com apenas
tua presença morena.
Pára todo meu pensamento
com apenas
teu sorriso sereno.
Pára toda minha vida
com apenas
tua partida sem volta.

E volta(!)?

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

fragmentos




O tempo passa e não me leva. Deixa-me aqui, em um tempo-presente cujo futuro nuca vem. Só o enfadonho agora com sua transitoriedade na velocidade de uma luz que não vejo, por isso não me ofusca. O tempo passa e me deixa. Leva só a minha idade, os centímetros de meu corpo. Minha velha identidade, meus dentes de leite e a lembrança do gozo de alimentar-me do leite de minha mãe.
Vivo na expectativa de uma coisa que se define com a palavra que não dá materialidade a coisa alguma. A expectativa do futuro é a mesma que arrumar (-se) a casa esperando por uma visita que não vai chegar. Por isso, tu que me lês, não determino o fim destes escritos, pois arrumei (-me) a casa também. Isto é somente o começo de uma história, a única história de uma vida que foi minha, mas que já perdi há tempos. Tempos tais que lembro bem. Suposto que começar uma e qualquer história pelo início seja didaticamente mais correto e ajuda na compreensão, começarei pelo início. Mas, qual é o início? Em que recorte do tempo eu comecei a ser?

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Tropical 2

Ahh deixa pra trás
Sais e minerais, evaporar!
Sede agreste a boca, toma de todo
Bebe vontade no longe
com cabeça noutro lugar não-comum.
meu peito fundo.afogo
52- UM

Já não perto de mim está
E te vejo por detrás
Da névoa da memória
Que constrói-se toda vez
Em que sinto o teu sorriso
[no meu
Os teus gestos em mim
Como se tu não fosses uma
Eu, outro, mas nós
UM.
[30/03/08]
37- Poema – não – poema [Sintaxe]

Boca voz verso
em mim atroz
Deságua
Foz
maré cheia- ressaca
engole o mundo
engasga palavra
descabida
vida que se tem arredia
vontade do absurdo
momento
insano de fazer poesia a carne
crua que se mantém viva a alma
errante
passos confusos
pensamentos infindos
problemas não
matemáticos
da vida que é minha por
excelência. Na adição
de subtração dos
valores
fra – ci -
o -
na -
dos
decomponho-me
nas escolhas que não tem raiz
exata
para encontrar
a sintaxe que este
poema – não – poema
está longe de
ter.
[12/09/07]