sábado, 26 de abril de 2014

[ Frag.men.tos ]

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Quando não se há nada mais a se fazer, só resta o silêncio.

O rosto magro, mudo-duro, onde cada marca de expressão torna-se uma vala funda - fenda para um abismo onde se vê o fundo: Negro espelho de si. Autorretrato.

No olho cego do mundo ele estava. Parado.  O moço sorriu. Parado. Parado, ele se riu, amarelo. Negro. Corpo magro. caucasiano. Cabelos de um tom negro. Den'da boca da noite negra. Turva. Crua. Alma nua. O moço sorriu. Parado. Parado, ele se riu, amarelo. Como quem faz força pra resistir. Não desistir. Ajeitou a camisa, passou as mãos nos cabelos molhados pela chuva. Seu corpo estava cheio de chuva. Encharcado. Seu oco estava cheio de nada. Ele estava cheio de si.

Fez sinal, entrou no ônibus, sentou-se. Na janela. E foi. Em direção ao centro. Não o de si. Mas ao da cidade, tão caótica quanto aquele corpo molhado e deprimido. Tão previsível como todo domingo. Sentado no último banco, abre a garrafa de uísque barato que trazia enfiada na bolsa transpassada em seu tronco esguio, em meio a papéis velhos, fragmentos de coisas. Ele, indizível inaudito não-dito  tomou um gole longo de uíque, com o intuito de fazer-se invisível não visto: Mais. 

Corpo magro, rosto pálido, de um sorriso amarelo mijo, ouro velho nicotina. Cigarro. No olho cego do mundo ele estava. Sentado.  O moço sorriu. Sentado. Sentado, ele se riu, amarelo. Negro. Corpo magro. caucasiano. Cabelos de um tom negro. Den'da boca da noite negra. Turva. Crua. Alma nua. Alma bêbada.
[...]

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Este rapaz

O rapaz, casmurro, anda apressado, passos duros e retos. Seu corpo, uma curva que aponta para o chão. Há tempos que observo da janela este rapaz, de barba, rosto de rapaz jovem, barba de homem, nariz pontudo, fino, traços finos. Um rapaz bonito. Seu rosto, de feições bonitas, delicadamente desenhadas é intacto. Rosto de estátua, imóvel, duro. Rosto duro deste rapaz. Uma beleza dura:  este rapaz.
Ele passa pelas ruas sem olhar, sem se olhar. Há tempos que observo da janela. Fico pensando no que pode pensar este rapaz. Com o que sonha este rapaz. Um mistério.
Os dias, meses, anos passam e há tempos que observo da janela este rapaz. De barba. Rosto de rapaz não mais tão jovem. Rosto marcado, olhar fundo, rugas cravadas numa pele áspera. Rapaz de uma feiura dura: este rapaz.
Ele passa pelas ruas sem olhar, sem ninguém olhar. Há tempos que observo da janela. Fico pensando no que já não pode pensar este rapaz. Com o que já não sonha este rapaz. Um estéril.
Os dias, meses, anos passam e há tempos que observo da janela este rapaz.
O rapaz, casmurro, anda apressado, passos duros e retos. Até que um dia, este rapaz para. Sua cabeça feia se projeta para a janela. Seus olhos fundos olham. Olham para dentro da janela. Há tempos que observo da janela este rapaz. Desta janela dura, de talhos finos. Desta janela bonita, de traços bonitos, delicadamente desenhadas. Intacta. Imóvel. Dura. Meu olhar é duro desta janela. Um olhar duro.
O rapaz olha. Eu olho o rapaz porque há tempos que observo da janela este rapaz. E do vidro da janela observo. E foi naquele instante que aquele rapaz, que há tempos observo da janela, se olhou, depois de dias, meses, anos.