segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Uma mensagem de amor

Ele se riu, quando viu o recado dela. Não esperava que retornasse. Na verdade, esperava, sim. Mas é que ele tem tanta vergonha de dizer o que sente, que preferiu não cogitar a hipótese d'ela responder. E ele acabou por descobrir que, depois de algum tempo, as coisas vão ficando melhor. As feridas sempre cicatrizam, se remediadas. Não se via mais sozinho. Os dois passaram a mandar recados diários, um para o outro. Era uma tentativa de alguma coisa que ambos não sabia. era um atirar-se no escuro, sem coragem, medo, nada. Era só a ação de se lançar no mundo: no mundo deles dois.

Gostava de ler os recados dela e ficava imaginando suas expressões, desenhava seu rosto em cada pedaço de memória, construia uma voz: era uma voz linda e tão doce. Imaginava o tom de sua pele, a quentura de sua respiração em seu ouvido, quando ela dizia o nome dele.Do mesmo modo, ela escrevia em pedaços de papel o nome dos dois. sentava em frente ao espelho e imaginava como seriam os fins de semana, os começos e os meios - todos com ele. Gostava do que ele dizia, fazia. Ele era dela, em seus sonhos mais bonitos. Os dois eram lindos.

 Ela, ainda uma incógnita, cheia de incertezas, assim como ele. Ele era exatamente o que ela precisva. Ela era exatamente o que ele queria precisar.
E assim seguiram - se falando - até que um dia esses dois corpos, essas duas almas e suas tantas incertezas e belezas irão se fundir em um estalo de beijo, até que eles sejam um. Um, somente um. Um gesto, um gosto, um sorriso.Um abraço. Uma vida cuidando da outra. Uma luz.Uma brisa que acaricia a pele.Uma mensagem de amor.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Pois é

Pois é. Hoje, neste tempo presente, tô completamente desfavorecido e não pago. Nunca fui tão desnudado em toda minha vida. Tô me sentindo um passarinho preso na gaiola nossa de cada dia.

Capitalismo do Cão abre a temporada. E o próprio encardido me diz, com a boca cheia de dentes e as mãos cobertas de sangue dos meus companheiros, "Bem vindo ao lado oposto do gráfico". Deixo o meu crachá com o porteiro do edifício. Recebo um copo com cachaça e um bolo com recheio de chumbinho. Nada no bolso. Pego as mãos do Cão e esfrego no meu peito descamisado. Com o sangue dos meus oprimidos, pinto uma camisa, com um quê de socialismo.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Pergunta ao espelho.

Onde eu fracasso como artista?

Quando não me permito. Quando não deixo o mundo me atravessar o peito. Não sou um bom artista quando me coloco, mesmo que inconscientemente, em um lugar a parte, em relação ao outro: quando me prendo em mim. Acredito que o fazer artístico e humano provém do contato com o mundo, da implicação com ele. Do confronto com os outros. O confronto são os outros. Os outros do mundo. Os outros dentro de mim. Tem muita gente dentro de mim.
Se estou comigo, só comigo e mal comigo, de muito não adianta fazer porque o feito será uma resposta a mim – é claro que, além d’eu estar dentro de um universo – onde tudo ocorre ao meu redor e onde eu também participo das ações, estou em um outro universo: Eu. Estou no universo de mim mesmo, com minhas incertezas, agruras, com minhas deficiências, doenças e também risos, amores, sonhos, paixões...
O fracasso vem quando sou óbvio (coisa que detesto! Acredito que o óbvio, todos gostam e preferem porque é previsível. Já o viram e, por isso, não há margens de erro ou fracasso.); quando reproduzo os conceitos e trejeitos dos velhos de ontem. O novo é algo que ainda não se viu e, por isso, causa medo, incerteza. O novo é se jogar no escuro, estar à sua própria sorte. Nesta fração de tempo é você e mais ninguém. Sem o mundo, sem o Deus. Sem nada, só o nada e você mesmo. Sou um fracasso (também) como artista quando não dou este passo à frente, quando sou um corpo estático. Quando permaneço sob a condição de um tripé – inerte, equilibrado -, com medo de quebrar a terceira perna e, para não cair, dar o primeiro passo e depois o outro e depois o outro e depois o outro... Porque nem sempre estar em equilíbrio é estar bem.
É por isso que brinco de ser. É por isso que eu sou um ator. Mas isso não me basta. Brincar de ser não é ser verdadeiramente. Então, ando por aí, me mutilando a aparência, o pensamento. Sufocando algumas vontades, libertando outras pessoas de dentro de mim, estuprando a ingenuidade e a pureza-nossa-de-cada-dia. Ando por aí me jogando no mundo, aviltando meus princípios, reinventando uma maneira cínica de estar vivo. De sobre-sair nessa massa densa que é o mundo.


Quero ser perceptível até aos olhos dos cegos. Quero caber no universo - meu corpo não é o meu número. Minha língua é maior do que a minha boca e as palavras não aguentam dentro dela. Sou maior do que eu mesmo. Sou uma hipérbole-interjeição-tropical. Luto contra mim porque sou meu próprio inimigo. Mas também sou meu herói.
Sou um fracasso como artista quando não sou o avesso do avesso.