quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sinto-me

Sinto-me. em um estado diferente. Entre sólido e liquefeito. Num estado de malemolência, de flexibilidade elástica. Sinto-me sinuoso em movimento Sou um quadril brasileiro. Coluna vertebral de gato vira-lata. transbordo-me. facilito-me. Sinto minha presença: em mim. No espaço. Por todos os espaços. Fluido, perpasso as superfíceis e mergulho fundo no interior do mundo. No interior das cabeças. No interior dos corpos. O que será, que será que está por vir? É o que virá. Um novo tempo onde eu existo todo. de modo supra-corporal, extra-sensível. Está por vir o que virá. E virá.

domingo, 5 de junho de 2011

véu

Você pode ser sutil.

Mas não imperceptível.




Eu te vejo, 
                                         sim.

Vampira



Depois de mais um dia, pararam todos, na verdade, alguns poucos, num bar, para comemorar ou mesmo tramar ou afogar a vida que se tinha. E lá engoliram copos de cerveja gelada, assim como o tempo. Fim de noite – ou o início dela – estavam todos. Ele e ela. Conversando e revelando alguns de seus segredos. Estavam se revelando um ao outro. Ele já tinha visto aquele corpo de mulher antes: já havia percebido suas curvas e sugestões de um segredo, ou um assunto, não tocado em roda aberta. Chegou a dizê-la, certa vez, que ela parecia agressiva, de beleza. Ela era uma mulher e se bastava na apresentação.
Trocados segredos, dividiram o mesmo espaço por afinidades e por, de algum modo, estarem ali afinados. Era outro assunto: outro propósito e outro lugar.
Entre a conversa boa e os copos sucessivos de cerveja, ela, qual gato carente, alisava seu corpo quente no corpo dele. E ele correspondia àquele ato. Imaginou aquela mulher-gato dentro de sua cabeça profana. Ela já o tinha feito anos-luz.
A vontade comia suas carnes bêbadas, assim como aquela diaba mordia seu ombro e beijava seu pescoço, a cada abraço dado. Ela estava domesticando aquele corpo de homem-aberto -no –espaço. Ele correspondia à domesticação de modo sutil. A bandida já tinha a quem dominar. O outro homem estava ali, seco. A vampira já havia chupado todo o seu sangue. Ele seria o próximo. Ela armou a cama para este homem deitar e servir-lhe de banquete. Ele, todo alimento, estava ali, à espera da dentada que o consumiria.

- Você está maluca. Perdeu a noção?! Olha quanta gente aqui.

- E qual o problema? Se eu sou maluca, não tenho noção. Sou toda pulsão. Gente. Essa gente não vê nada além. Todos bêbados, como nós. A diferença é que nós vemos. Eles, não. Essa gente é comum, conformada. Catequizada. Nós não fomos catequizados, gato. E eu não quero nada além do que você já imaginou... Ou pensa que eu não entrei na tua cabeça de homem e vasculhei todos os seus pensamentos? Eu percorri por cada beco imundo e escuro da tua cabeça, vi todos os seus desesperos, dúvidas e desejos. Fazendo um juízo de valoração, você, no mercado, vale a mesma coisa que eu valho: nada.

O homem ficou abismado com a certeza das palavras daquela mulher. Porque era verdade. Estava inerme, quase completamente entregue.

- ...e ele? Você não vai fazer isso. Ele está aqui e isso é sacanagem. O cara é gente boa e gosto dele...

- Eu também, gato. Gosto dele. Mas isso pra mim não é impedimento. Nem tabu. Ai, vocês, homens. São muito regrados. Depois dizem que não entendem as mulheres. Somos muito mais simples de entender do que vocês.
 - Pára com isso. Você é uma bandida, sabia? Eu quero, quero dizer, não posso. Não devo.

O espírito cristão daquele homem já estava corrompido antes mesmo d’ele nascer. Mas não sabia disso. A mulher disfarçou e arrastou o homem para uma parte quase sem luz da rua. Jogou suas costas retas contra-parede.

- E agora?!

O homem, sem saída aparente, respirou fundo e

- olha isso é uma loucura não é justo eu sei você é linda mas isso não pode acontecer principalmente porque não quero causar danos à ninguém o que os outros vão pensar você está maluca não isso não é legal se ele não existisse isso é outra coisa precisamos pensar nisso  não tem nada a ver eu acho eu acho que não rola não pode rolar isso é loucura eles perceberam ai, meu deus você não tem noção mesmo pára de me tocar tira a mão de mim não podemos fazer isso pára eu não tenho esse direito nós não podem...
Os anjos todos perderam suas asas e caíram como pacotes pesados por sobre o chão da Terra. Os santos do homem-cristão foram decapitados e suas cabeças santas rolaram ladeira abaixo. Suas costas envergaram e seus pêlos todos eriçaram qual gato em perigo. Ali, ele foi devorado. Ela o deu um beijo na boca. E ele nela. A mulher agarrou o corpo da sua presa e chupou sua língua, para que o homem ficasse sem palavra alguma. Percorreu com as setenta e sete mãos todo o  homem, de fora à dentro. Sua língua trilhava caminhos pela extensão daquele corpo. Com uma das mãos, pegou-lhe pelos cabelos, puxou sua cabeça para o lado. Como uma vampira, mordeu-lhe o pescoço. Respirava quente no buraco negro de seu ouvido.  E, num esforço, ele era somente um corpo sendo devorado e correspondendo a cada uma das setenta e sete mãos daquela mulher. Estava entregue. Presente. Pulsante.  Ereto.  Ele também era todo desejo: um desejo proibido. Eram puro sexo.  
Quando soltou a boca e o corpo daquela carcaça de homem, ele, paralisado, ficou a olhar, vidrado nela.
Depois de ter cumprido seu propósito, aquele corpo apocalíptico se riu inteiro para o corpo estático do homem. Explodiu em uma gargalhada diabólica. E saiu de den’da escuridão, com a cabeleira negra e revolta para o lado. O sexo aceso, suas cadeiras num requebro desumano, ela passa pelas cabeças de santos espalhadas pela rua, entre anjos caídos. Volta para a conversa de bar, cínica, como se nada tivesse ocorrido. Enche o copo de cerveja. Bebe. Abraça aquele outro homem domesticado e sugado. Dá-lhe um beijo na testa, piedosa, como quem o abençoa. Entre os corpos bêbados, se ri, como uma inocente.
: a noite continuou e ninguém percebeu nada.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Só peço que me leve.

e os dois marcaram de se encontrar. Ele chegou. Procurou. Não achou. Estava com medo. Uma sensação diferente. Acho que era medo. do que poderia acontecer. Ou não acontecer. ele não estava lá: ninguém estava. percorreu por todo o prédio e ninguém conhecido.
sua respiração ficou um tanto ofegante. Era algo. Algo ocorrendo em seu corpo nem um pouco dócil: o corpo de dentro. era um misto de pulsão freudiana com senso de realidade. Era seu id querendo matar o superego, e vice-versa. matar de prazer, de amor, qualquer coisa.
 Sentou-se. Só. Num canto pouco iluminado. Só com ele mesmo. À espera. À espera somente. Do outro corpo que vem. Em algum momento ele vai chegar.

 - e se não chegar?
Por que você não existe mais diante dos meus olhos? eu me disponho todo.
Canto.
Eu corto o canto
e num canto
espero.
calado.
Porque você me violenta.


: se não chegar. Ele vai morrer. Por mais uns dias.

 - Quem sabe?


Mas, ao fim, já mutilado pelo câncer da espera, foi. andou. encontrou o outro corpo de pé. Não olhando. entrou na sala. Abraçaram-se. era um abraço que continha uma conversa. um diálogo que não necessariamente era para o outro ouvir. Uma descarga de texto gestual. foram embora.   Seus olhos gritavam

 - Só peço que me leve.

Foi o que aconteceu. foi levado pelos olhos aguados e lindos, represados o doutro corpo, que ao ler as palavras do papel-peito-pulsante, escrito em vermelho, lançou-se todo em olhar e vontade por dentro dos olhos daquele corpo que esperava.

E assim saíram horizonte a fora: um corpo querendo querer habitar o outro.  querendo querer ser: um.

E o foram.


"Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor...
"