sábado, 30 de julho de 2011

Escarlate

A: - Sabe, no fundo eu sou um sentimental.

B: - Isso é Chico Buarque.

A: - É. Mas quando eu falo, é meu. Por isso digo, sabe, no fundo eu sou um sentimental...

B: - E por que você está dizendo isso agora?

A: - Porque nunca disse pro mundo. Nem pra mim. Então, digo pra você. Porque também é uma forma de dizer pra mim.

B: - Me diz. Agora eu sou eu e você. Ao mesmo tempo.

A: - Não sei se a vontade de falar e falar e falar vai suprir o quanto quero me abrir à você, a mim e ao mundo. A vontade que me dá é de rasgar a capa do peito e despejar tudo sobre as paredes desse quarto, sobre essa cama, sobre o chão. Por sobre toda essa casa. Em você... As coisas que quero dizer não cabem todas na boca. Preciso falar com o corpo todo.

B: - Eu te recebo. Vem.

e,ao ouvir isso, aquele corpo-voz fez-se todo líquido e despejou-se inteiro por sobre o outro corpo, pelos cômodos da casa. Escorreu como as águas do bonfim pelas escadas. Transbordou salas e corredores. Maremoteou-se tsunamizado. Agora, de tudo existente fez-se vermelho. Era ele perceptível ao mundo, com seu brilho escarlate. As palavras que não cabiam à boca formaram correntes marítmas e banharam os corpos que naquele quarto estavam: vermelhos, os dois ficaram a boiar.





Um. Porém dois.

Porque é você. Porque sou eu.


..., e, com o peito vermelho retinto, escreve manchado, na folha:


 - Eu escrevo. E quando você escreve o que eu escrevo, e leio,parece que está escrevendo pra mim. Parece-me que o que disse, eu não disse. Quando tudo dito e escrito saíram de sua boca e mão. Será talvez porque era o que você queria dizer e escrever, e não eu? Não sei dizer. Mais nada. Porque tudo o que eu disser será dito por você e não por mim. Não digo. Porque até o silêncio sai de você e não de mim.
Digo-não-digo. Falo/Me calo. E continuo a dizer. Por suas mãos e boca. Porque são minhas. Porque é você. Porque sou eu.

Ridiculamente interessante

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Conversa entre dois. Entre um.


A: - [silêncio]


B: - [silêncio]

A: - É...

B: - [silêncio]

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - [silêncio]


B: - Acho que é isso.

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - ...te amo.

B: - E nesse momento eu sinto um arrepio dentro. Meus olhos transbordam. É a vontade de dizer com a alma que também correspondo ao que me dizes. Sinto que a boca não é mais capaz de dizer com a mesma precisão uma frase tão pequena em estrutura, mas que imensa em dimensão. Te amo com tudo que tenho e existo. Todo.
Mas não me basto por isso.

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - Não tenha medo de ser você por minha causa. Não se aprisione. Não se contenha. Seja livre e feliz. Se algo fugir do controle...

B: - E se [você] fugir?

A: - Prometo te avisar.

B: - O que fazer além do aviso?

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A - B: - [silêncio]

AB: - [silêncio]

...







Não quero te ter

Não quero te ver. 
Fecho o álbum de fotografias. Apago seu número da agenda. deleto seus e-mails.
Não quero te ter.
Escondo com maquiagem as marcas de tuas mãos e da tua boca em meu corpo. E, por quase meio segundo eu te esqueço. A não ser quando fecho os olhos e te encontro todo em meus pensamentos.


Eu não sou o que você gostaria que eu fosse. Eu não caibo nos seus planos. Eu não sou aquela que vai te dar três filhos lindos e cuidar do seu cachorro. Não sou aquela que vai dividir contigo o sonho que você não vai realizar. Eu não te peço isso.Não sou uma boneca plástica. Sou mulher-carne. Eu  ofereço. Eu me ofereço. Portanto, não me dê como troco a sua indiferença. Me odeie, me deixe com raiva. Me use. Minta pra mim. Minta! Mas não me anule com a sutileza do vazio de um corpo  morto. Não faça do meu corpo um objeto ignoto. Eu estou aqui. Você me vê. Eu sei.


Você pode ser sutil.

Mas não imperceptível.




E eu te vejo, 
                                         sim.