segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
AHOBOBOI
Quando assim o banzo vem
Quando a terra os pés estranham
É o sinal para em-tocar-se o ninho;
renovar períodos, ciclos,
Trocar toda, inteira a pele.
E não mais que de repente
Saber ter em si o soro, o veneno ofídico
E em um bote assim, preciso
serpentear-se iridescente
Entre céus, terras, morros e rios.
E no espelho d'água ver-se refletido
que ao redor de tua íris
pousa um arco colorido.
Entre os ossos e o Ofício
É muito mais do que preciso
caminhar, seguir em frente
Vodunear-se inteiramente.
Ter em mente o seu destino
Fazer da coluna uma serpente.
[TH.O]
AIYABÁ NEGRA
Eu saúdo o grande rio e seus nove afluentes
Eu me curvo diante da doce brisa leve e dos fortes ventos quentes
Encontro minha essência ao ouvir os raios rasgarem os céus
De dentro do búfalo surge a borboleta
Essa mulher toda deusa
É mais que isso
Mãe Guerreira Intempere
Volátil
Oyá
Aiyabá negra
Força da natureza!
Eu me curvo diante da doce brisa leve e dos fortes ventos quentes
Encontro minha essência ao ouvir os raios rasgarem os céus
De dentro do búfalo surge a borboleta
Essa mulher toda deusa
É mais que isso
Mãe Guerreira Intempere
Volátil
Oyá
Aiyabá negra
Força da natureza!
[Nandipha Mntambo]
SENHOR FARTO DE SAVÉ
Terra
quente Sol a pino
Por
debaixo das palhas
A
essência da vida
Que
pulsa em mim.
E
não mais que de repente
Eu
me vejo filho
Do
mistério das chagas
Da
flor que estoura branca
Sobre
a areia da praia.
Entre
a morte e vida severina
O
preto forte não se cansa de dançar
Cava
terra que é ele mesmo Varre o mundo xaxará.
Boca
cova do mundo
Pega
mata e come
Tal
como pássaro carcará.
Por
muitos é temido talvez pela falta do saber que morrer também vem a ser outra
forma de viver
À
ferida traz a cura Por sob o azê roxo a face oculta
Senhor
farto de Savé Veste palhas
Muitos
búzios Grande mesa o olubajé
Na
folha da mamona
O
feijão preto com dendê
Dê
licença seu moço
Silêncio
diante do rei
Porque
ao som do opanijé Vem chegando
Oluaiyê!
[TH.O]
segunda-feira, 8 de maio de 2017
Poema
Quando o pensamento escorre por entre os dentes.
Quando o ar percorre a garganta e desemboca boca à fora,
faz um som forte
(como as ondas que batem na arrebentação)
: Não adianta conter.
Quebra-mar,
o que seja...
A onda vem
e desaba num deságue incontrolável,
atroz, feroz, densa, violenta...
Isso é o que a boca faz,
quando intensa traz
à tona
O bolo da alma que
antes, coma
agora grito, afronta.
Derruba muros, alaga ruas, devasta cidades:
É a sutil força fraca de um poema.
[Th Ortiz 29.10.16 ]
terça-feira, 5 de julho de 2016
Dentro da boca da noite
Ler ouvindo Turiya And ramakrishna - Alice Coltrane
(clique no nome da música)
Eram corpos agitados. Ao som da música. Quase um cenário tribal, onde sacudiam braços, cabeça, quadris.
O rapaz chega, e fura a bolha do ambiente: agora é parte dele. Passa por entre os corpos vibráteis, suados. Olha ao redor. E lá, em meio a turba, surgem um par de olhos. Como o gato de Alice: Grandes, vivos, tremeluzentes, misteriosos. Mal sabia o rapaz que aqueles olhos, tempo depois, o mastigariam por completo, dentro da boca da noite.
Aqueles olhos eram como um alçapão. Armadilha perfeita para capturar animais curiosos.
Em meio aos movimentos dos corpos outros, se esbarram, trocam sorrisos (um sorriso que surge por entre a barba densa): Um menino escondido embaixo da rusticidade da barba. Primeiro os olhos, amendoados, de anjo barroco. Depois, o sorriso, limpo. A elegância quase silenciosa daquele homem deslizava com a leveza dos dias que se iniciam: um feixe de luz pálida que atravessa a cortina e perfura o breu do quarto que dorme o corpo. O rapaz, que tem olhos de ressaca, encharca o corpo do homem. Assim como as ondas de um mar revolto, percorre agitado, denso de sal que, se não estiver atento, pode afogar.
Um copo.
Dois.
Outros tantos.
Conversas sobre a vida, signos, gostos, desgostos, amigos em comum... O bastante para um querer ser íntimo do outro.
Aquele homem invadiu a cabeça do rapaz e conseguiu bagunçar o que já era uma zona. Deixou o avesso do avesso que ele já era. Tem dias, muitos deles, que o rapaz morre de saudades daqueles olhos. Se deita em seu mar e fica imaginando milhões de momentos, possibilidades. Passava dias pensando em como mostrar algo, qualquer coisa, só para ter por perto aquele homem, falando, existindo...
Aguardava ansioso, em águas revoltas, pela hora de encontrar o homem. Vê-lo estava se tornando quase um ritual. Uma epifania. Assim se passaram outros dias, outras festas, outras danças. E aqueles dois, que eram mais de mil, se afinaram tanto, que não conseguiam mais disfarçar. Eram quase Gêmeos no querer. E, um dia desses, o homem, cujos olhos são como os do gato da Alice, olhos de anjo barroco, homem que se esconde na rudeza da espessa barba de uma negrura brilhosa, tragou o rapaz dos olhos de ressaca. Engoliu-o com a boca da noite, com seu hálito quente, seu gosto de rua.
Nunca mais se ouviu falar dele. Há quem diga que o rapaz e o homem dividem o mesmo corpo (i)material. Há quem diga que sua presença foi desintegrada com a presença daquele homem, para algum dia, atualizar-se. Vai saber...
A única coisa de que se tem certeza é que nas noites das ruas vazias da cidade, ainda se pode sentir o perfume de um e outro, misturados à maresia dos olhos de ressaca do rapaz, a vagar, com uma elegância quase silenciosa do corpo do homem com olhos qual gato da Alice, pelo vento quente da boca da noite fria.
Dias desnecessários. Noites desgraçadas.
...
Cinco meses para acabar o ano. Sete meses corridos – meu corpo
se debate qual epilético.
Minha cabeça enterrada na bagunça do armário. Outros membros
misturados nas caixas de livros, gavetas cheias de coisas amontoadas. Dias desnecessários.
Noites desgraçadas. Em claro, meus sonhos fazem morada no fundo das olheiras
que rasgam meu rosto. E os fracassos de cada dia, distendem os fracos músculos
que me restam.
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