sexta-feira, 25 de maio de 2012

Um presente. Uma partilha.



Sexta-feira, 25 de maio,2012

Palco

Para se ler ao som de Quereres.
Para Thiago Ortiz. 

Não é só porque eu sei que você vai ler que eu escrevo. Escrevo porque eu vivo cenas que eu gostaria de colocar em falas da sua boca, porque eu acho que ficariam mais bonitas na sua língua. Os meus silêncios, os meus gritos, as minhas insanidades de desespero ficariam melhor no teu corpo, no teu timbre e isso, ah, isso já faz de ti um ator.

Escrevo porque você é a única pessoa do mundo que entenderia a tranquilidade da frase "Está tudo bem, ela não foi ao cinema, foi só ao motel". Talvez você também seja a única pessoa que entenda porque é melhor estar no motel, é melhor voltar pra casa, é melhor rasgar cadeiras, gritar insanidades de quando já não se tem mesmo voz.

Além do teu abraço que foi mesmo a única coisa que eu queria. Além do estranhamento que é te ver tão pouco e saber o quanto você toca a minha alma mesmo virtualmente nesse mundo virtual idiota. Além dos meus problemas de eterna adolescente desescontrada, além dos teus problemas de um artista preso num corpo e numa vida pequenas demais para a grandeza que você é. Além de você estar aqui mesmo sem estar aqui para segurar minha mão e dizer que vale a pena sofrer ou que não vale.

Além de tudo o que é transcendental, além de tudo que é virtual, o que é real, o que é insosso, o que sofrido, o que é trabalho, o que é desemprego, o que é mãe, o que é casa, o que é mãe, o que é relacionamento, o que é término, começo, fim, meio. Você é a pessoa que partilha tudo isso de longe, você é a pessoa que eu quero ver num palco e para isso, juro, eu ponho as palavras na sua boca porque eu sei que você vai saber quando elas devem ser cuspidas. Façamos!


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Verborragia 1

(Clique no link para ouvir)


Passa o dia todo a pensar. Como quem quer descobrir a pólvora. Lê em voz alta, desenha, rabisca, vê um monte de coisas. Se entope de café. Lembra que precisa ter uma caneca vermelha. De louça. Mas, se contenta com uma de ágata na loja que entrou um dia, mas não comprou porque estava duro. Mais uma vez sonha. Angustia-se e pega o telefone. Disca para o número que já decorou. Chama, chama... ninguém atende.
Esquece.
Depois de um tempo, toca o telefone.

(Atende o telefone...)
- Alô!

- Oi. Você me ligou...

- Sim! Tudo bem?

- Tudo...Então, o que é?

- Eu queria falar com você sobre algumas... (é cortado)

- Fala!

(Assusta-se com a interrupção. Em silêncio, com o fone preso, entre o ombro e o ouvido, e segurando o restante do aparelho telefônico, anda até a mesa e pega um cigarro. Caminha até a janela da sala. Senta-se na cadeira. estica as pernas no braço da poltrona velha. Acende um cigarro. Respira fundo)
- É...
Há momentos em que desejo,sim, deixar de ser essa verborragia que me constitui. Esse hermetismo. Esse bolo de palavras sem uma vírgula sequer. Sou um texto desordenado, sem continuidade e ideia fixa. Como matéria, não sou. Não consigo me pegar com as mãos e isso faz com que eu me lembre o colo que não tive.

- O quê?! Não tô te entendendo. Olha, se você está dizendo isso porque eu falei que você era complicado, relaxa, falei sem pensar.

(como quem nem se dá conta do que o outro disse, continua...)
 - Sempre fui assim, sozinho. Com essa ânsia de criar um bando.  Coisa típica, frase pronta, do sujeito, quando me conhece - deslumbrado com minha superfície exótica, de  mil tons, camaleonicamente colorido, colares e extravagâncias corporais e uma tropicalidade louca - diz: "ah, coisa de artista". Mas...o que é ser artista? Nem pergunto o que é SER porque aí, vou perder toda a normalidade que já não possuo. Tudo que sei é que eu desejo,sim, deixar de ser essa verborragia que me constitui. Desejo ser um tanto compreendido... pela boca que me beija, ao menos.
Há momentos em que eu gostaria de acordar sem saber falar uma palavra sequer. Sem ter a consciência de saber. Gostaria apenas de experimentar, mudamente, cada pequena coisa. Aprender cada migalha do mundo e esquecer tudo, um segundo depois. Mas,não. Eu sou um fluxo interminável. Oscilante e cheio de uma vontade de "fazer-ser" alguma coisa. Ando por entre as vielas dos meus sonhos insustentáveis sem terminar ciclos. desenho coisas aleatórias, escrevo projetos e mais projetos. termino as coisas antes mesmo de iniciá-las. Sou estranhado por todos, quando me veem mais profundamente. Já ouvi que sou puro, no mesmo ínterim em que me escarneceram por motivos quaisquer. Já fui criticado por conta dos meus olhos rápidos, que olham (e querem olhar) o mundo. A visualidade me chama atenção. Gosto dos corpos que andam e tento imaginar como é a vida deles. Me pergunto, por vezes, se esses corpos que andam sabem que estão vivos e, além, se sabem o que é vida. Sei lá. Se são felizes com o que são... Sobre o ver todas-as-coisas, me parece que é um exercício mais profundo. O olhar e ver. Com tudo que em mim respira...
Não desejo absolvição. Não é isso...
Não sei nem o porquê estou falando isso. Talvez seja, somente, um tentativa - fra-cas-sa-da -  de desfazer esse nó cego na minha garganta-alma. Talvez, seja melhor chorar. Mas um chorar até o avesso. Morrer. Pra nascer outro. Leve. Confesso que já o fiz algumas muitas vezes. Choro e choro tanto, que chego a ter dores de cabeça. Minha cara fica vermelha qual pimentão. Meu corpo se retorce e eu escorro pelo box, junto com a água que vai para o ralo. A tentativa de morrer ali, no chão molhado do banheiro é nula. Não renasço leve. Ressuscito mais pesado do que antes fui:
 Arsênico-chumbo-cádmio-crómio-manganês.

Eu só queria te dizer isso, não sei. Dividir um pouco de mim com você. Dizer que eu aprendi que a vida não é tão bonita assim e que eu descobri o porquê das tintas existirem. Pra deixar as coisas mais bonitas... Eu sei, não tem nexo, coerência nem nada. É isso,mesmo.


Ultimamente, de uns 25 anos pra cá, tenho tentado. Muitas coisas. Quase nenhuma. Venho brincando de ser... Mas eu só tenho conseguido ser ,mesmo, um signo gráfico de vestígios de um "eu" perdido no anonimato urbano, a clamar por uma autoria e uma individuação. Um corpo  composto de pequenas anotações de um diário - desenho -, que estão à espera de significação para si mesmas. Formas que se esvaem. Heroicamente sós.

- Eu não sei o que dizer.

-Não precisa dizer nada.

(Silêncio absurdo, como se ambas as almas se recuperassem de tudo falado e escutado.)

(Em estado de choque)
- Depois a gente se fala. (desliga o telefone antes mesmo do outro responder)

-Um beijo.