sábado, 30 de julho de 2011

Escarlate

A: - Sabe, no fundo eu sou um sentimental.

B: - Isso é Chico Buarque.

A: - É. Mas quando eu falo, é meu. Por isso digo, sabe, no fundo eu sou um sentimental...

B: - E por que você está dizendo isso agora?

A: - Porque nunca disse pro mundo. Nem pra mim. Então, digo pra você. Porque também é uma forma de dizer pra mim.

B: - Me diz. Agora eu sou eu e você. Ao mesmo tempo.

A: - Não sei se a vontade de falar e falar e falar vai suprir o quanto quero me abrir à você, a mim e ao mundo. A vontade que me dá é de rasgar a capa do peito e despejar tudo sobre as paredes desse quarto, sobre essa cama, sobre o chão. Por sobre toda essa casa. Em você... As coisas que quero dizer não cabem todas na boca. Preciso falar com o corpo todo.

B: - Eu te recebo. Vem.

e,ao ouvir isso, aquele corpo-voz fez-se todo líquido e despejou-se inteiro por sobre o outro corpo, pelos cômodos da casa. Escorreu como as águas do bonfim pelas escadas. Transbordou salas e corredores. Maremoteou-se tsunamizado. Agora, de tudo existente fez-se vermelho. Era ele perceptível ao mundo, com seu brilho escarlate. As palavras que não cabiam à boca formaram correntes marítmas e banharam os corpos que naquele quarto estavam: vermelhos, os dois ficaram a boiar.





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