segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Pergunta ao espelho.

Onde eu fracasso como artista?

Quando não me permito. Quando não deixo o mundo me atravessar o peito. Não sou um bom artista quando me coloco, mesmo que inconscientemente, em um lugar a parte, em relação ao outro: quando me prendo em mim. Acredito que o fazer artístico e humano provém do contato com o mundo, da implicação com ele. Do confronto com os outros. O confronto são os outros. Os outros do mundo. Os outros dentro de mim. Tem muita gente dentro de mim.
Se estou comigo, só comigo e mal comigo, de muito não adianta fazer porque o feito será uma resposta a mim – é claro que, além d’eu estar dentro de um universo – onde tudo ocorre ao meu redor e onde eu também participo das ações, estou em um outro universo: Eu. Estou no universo de mim mesmo, com minhas incertezas, agruras, com minhas deficiências, doenças e também risos, amores, sonhos, paixões...
O fracasso vem quando sou óbvio (coisa que detesto! Acredito que o óbvio, todos gostam e preferem porque é previsível. Já o viram e, por isso, não há margens de erro ou fracasso.); quando reproduzo os conceitos e trejeitos dos velhos de ontem. O novo é algo que ainda não se viu e, por isso, causa medo, incerteza. O novo é se jogar no escuro, estar à sua própria sorte. Nesta fração de tempo é você e mais ninguém. Sem o mundo, sem o Deus. Sem nada, só o nada e você mesmo. Sou um fracasso (também) como artista quando não dou este passo à frente, quando sou um corpo estático. Quando permaneço sob a condição de um tripé – inerte, equilibrado -, com medo de quebrar a terceira perna e, para não cair, dar o primeiro passo e depois o outro e depois o outro e depois o outro... Porque nem sempre estar em equilíbrio é estar bem.
É por isso que brinco de ser. É por isso que eu sou um ator. Mas isso não me basta. Brincar de ser não é ser verdadeiramente. Então, ando por aí, me mutilando a aparência, o pensamento. Sufocando algumas vontades, libertando outras pessoas de dentro de mim, estuprando a ingenuidade e a pureza-nossa-de-cada-dia. Ando por aí me jogando no mundo, aviltando meus princípios, reinventando uma maneira cínica de estar vivo. De sobre-sair nessa massa densa que é o mundo.


Quero ser perceptível até aos olhos dos cegos. Quero caber no universo - meu corpo não é o meu número. Minha língua é maior do que a minha boca e as palavras não aguentam dentro dela. Sou maior do que eu mesmo. Sou uma hipérbole-interjeição-tropical. Luto contra mim porque sou meu próprio inimigo. Mas também sou meu herói.
Sou um fracasso como artista quando não sou o avesso do avesso.

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