terça-feira, 24 de novembro de 2009

O oitavo pecado capital

Em um dos muitos devaneios da vida, estavam lá, os dois e o resto do mundo. Mas só havia os dois e mais ninguém debaixo daquela lona. Uma música apenas foi o bastante pra unir ele mais ela e fazendo os fluídos corporais tornarem-se um só. Um corpo. Uma linha. Um movimento. À cintura o braço que aperta pra dentro do corpo do cabra o ventre quente. Não se alembrava se já era noite ou se tava amanhecendo dia. Ele queria mesmo que os relógios todinhos do mundo parassem, praquela coisa toda boa nunca de se acabar!


Aos pulmões o perfume em seu cangote. Seus negros cabelos em seu rosto. Ela dança que só sendo. Sabe quando você anda o dia inteirinho, com um sol que tá mais pra maçarico, escorrendo água pelo quengo, cheio de sede, com a goela mais seca do que o sertão, aí, tu avista um copo d’água e se pica de uma vez só pra matar aquele copo numa talagada só? Pois, é. Era assim mesmo, igualzinho, igualzinho. Só que em dobro.


Quando gira, sua saia vira um disco, uma vitória régia que dança e espalha todo o pólen. Quando ri, mostra sua luz num sorriso largo e nos olhos, os desejos que os toma: um álibi para o crime perfeito. Ela é, como diz a música qual dançavam, o “oitavo pecado capital, a quinta estação”.

Olhe, as canelas de de João ficaram da cor da poeira do chão de terra batida, que só nessa terra tem mesmo. Dava até gosto de ver aquele rala bucho. Nunca vi um casal mais bonito em toda essa vida. Visto que só pode ser nessa vida mesmo porque nunca tive outra. Mas pra João, coisa assim era fácil. Aquele ali vende até casa pegando fogo de tanta lábia que tem. E mulher, sabe como é, gosta de uma conversa miolo de pote. E tudo fica mais fácil depois de tomar a água que passarinho não bebe. Aí, já viu! Não preciso nem dizer o final da história.


Na verdade verdadeira mesmo, preciso sim. Acontece que João não sabia que tava se engraçando com a mulher do cabra mais mordido de toda região do Vale do Carapanã. O dito cujo atendia pelo nome de José Messias, que de Messias mesmo, só o nome. O Cabra era tão ruim, mas tão ruim que até o Cão cagava quilo pra ele. Pois bem, lá pelas tantas, João mais Pureza [esse era o nome da fêmea!] se aresolveram de se atracar bem ali, no meio do forró.




João - Ôxe, morena, tu tava na fogueira, é?


Pureza - Eu não, porquê cê tá me perguntando isso, homem?


João - Porque teu corpo tá pegando fogo. Olhe pra mim, to até desidratando.


Pureza- Deixe de besteira! Até parece que não sabe que aqui, quando num tá calor, tá quente... Olhe só. Meu colo tá todo molhado.


João - Deixe que eu assopro. Com todo respeito.


Pureza [sacudindo o vestido , como quem se abana] - E assopro resolve não. Eu sinto muito calor. É de família. Todas as mulheres da minha família são assim... vou abrir um pouquinho o meu vestido. Você se importa?


João - Mas é claro que não! Confesso que até que gosto.


Pureza - Só não quero que ache que eu sou, assim, uma safada, que abre o vestido pra qualquer perna de calça que aparece.


João - De jeito nenhum! Quando disse que até gosto, foi querendo dizer que admiro mulher assim... [escolhendo palavras] determinada, de peito, entende?


Pureza - Ah, sim. É verdade. Se tem uma coisa que eu tenho é peito. Meu filho, quando eu quero uma coisa eu vou até o fim do mundo e busco. Seguro com força.
João - Com força, é? Ai, meu Padin Ciço!



Pureza - Exatamente. Seguro com força na mão de Nossa senhora. Porque se tem outra coisa que eu sou, é religiosa. Tenho uma mania de me pegar com santo, que só vendo. Pra qualquer coisa eu rezo. Mas só pode ser de joelhos.



Foi aí que João acabou de perder todo juízo que não tinha. Pureza se riu e, numa explosão segurou João pela camisa de modo que saíssem os dois dali.




Pureza - Ai, vamos sair daqui, preciso tomar ar.




João sabia o ar que pureza queria tomar. E tava disposto a dar.



João [tentando passar uma lábia] - Já lhe contei que que já fui seminarista?




E foi justamente nessa conversa miolo de pote que Pureza e João terminaram por comer todinha a fruta do pecado, logo ali.




Pureza [de modo muito do safado] - Ai, João, me respeite que sou uma mulher direita.


João - E eu não sei? Estou constatando. Toda direitinha!


Pureza - Ai, João, tu não me pegue!


João - Olha que pego!





E esse “pego – não – pego” num repente acabou. O que sucedeu foi que José Messias , o cabra mais mordido de toda região do Vale do Carapanã apareceu, procurando por sua esposa.




José Messias [chamando alto] - Pureza! Aonde é que tu ta, mulher?! Se tiver com algum cabra safado, ele vai comer bala por outro buraco que não é a boca!


Pureza - Ai, João, é meu marido!

João - Marido?!


José Messias [chamando alto] - Pureza, é tu que ta aí, safada! Eu acabo com com tua raça, rapariga! Tua e de quem mais estiver aí!


João - Por que você não me disse que era casada?


Pureza - Ôxe, porque você não me perguntou. Vai lá, deixe de ser frouxo e enfrente o homem. Por mim. Diga que eu não to aqui não.


João - O marido é seu e eu não tenho nada a ver com isso. Eu quero e salvar o meu bucho. Se esse cão da costa oca me pega aqui mais você, eu to lascado!


Pureza - E agora?!


João - Tu não disse que era apegada com santo. Reza, bichinha. Reza por nós dois!


Pureza - Se oriente, homem. Se oriente!


João - Medo pesa?

Pureza - Claro que não, homem.


João - Então acho que estou todo cagado.


José Messias - Pureza! Apareça, mulher!


João - Ai, Jesus, já consigo Te ver...



Pureza - Ôxe, que cabra mais cagão é tu, João. Não honra essa chibata aí no meio das pernas, não é?


João - Honrar eu até honro. Mas hoje eu abro uma exceção.


Pureza - Então se pique daqui, vá!


João - Como se fosse possível. Querer, até quero. Mas minhas pernas não permitem...Ave Maria, cheia de graça...


Pureza - E é hora de rezar, seu fresco?

João - Se ajoelhe e reze comigo.



José Messias entra numa carreira e a mulher se desespera.



Pureza - Ai, José, tenha piedade, pelo menos de mim, que sou sua esposa!


José Messias - Tu ta aí, safada! Vou passar ferro nos dois! João! Homem, tu ta vivo?


João [de costas, tremendo mais do que vara verde] - Por enquanto.


José Messias - Levante-se, homem... e venha dar um abraço em seu amigo!


Pureza - Amigo?


João [virando-se] - José?! Mas... é você? É você o marido de Pureza?


José Messias - Mas é claro, homem! Vocês já se conhecem?





João e Pureza, nervosos, respondem juntos.





Pureza - Não!



João - Sim!



José Messias - Não estou entendendo. É sim ou não?!





João - Sim e não. Eu estava justamente perguntado á sua esposa sobre você, meu amigo. Estou chegando hoje aqui e, como sei que o compadre é conhecido por estas bandas, me arresolvi de fazer uma visita. Nem tinha ciência de que purez, quero dizer, Dona, Pureza, era sua senhora.





Pureza - Era isso que eu estava tendo dizer, meu marido.

José Messias - Então, está tudo resolvido! Vamos até minha casa. Vai ficar em nossa casa e por quanto tempo quiser. Só não entendo o porquê da reza. Deu pra ser religioso agora, cabra?

João - É o pecado, compadre José. É o pecado...


Os três caminham rumo à casa de José Messias, o cão da costa oca. E foi assim que João conseguiu salvar seu bucho, pelo menos, desta vez.

2 comentários:

  1. Adorei, fiquei imaginando a cena, o cenario. Que bela cena daria, muito engraçada. Cada trejeito.

    Agora entendi o poema cansei. As pessoas nao colocam os comentarios ne.
    Eu inaugarei agora escrever em um blog, nuca fui de mexer nisso.

    bjs

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  2. Adorei este conto!
    E meu pai também, hehe.
    Concordando com o comentário acima, realmente daria uma cena e tanto. Aaah, meu a(u)tor. Você é incrível! :)

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