quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um estrangeiro

Estava atarefado demais em suas confusões diárias. Ser ele mesmo dá um trabalho do cão. Nunca se encontra em nada. Nem nele mesmo. Aconteceu de participar de uma  atividade, um trabalho. Foi lá. Aprovado. Trabalho, mais um. No meio disso tudo descobriu-se mais perdido que antes. Não fazia parte daquele todo.era estranho para os outros e, principalmente, para si, naquele cenário.Recebeu uma ligação que acabou por enrolar mais ainda a sua cabeça. É porque além do trabalho mal pago, das contas não pagas, do relacionamento mal resolvido com uma mulher completamente diferente dele, em partes, ainda tinha a sua cabeça. E decidiu, no meio do furacão, não fazer mais nada.Pois é, parou. Ao evento que fora convidado a participar, não foi e sangrou por isso.Sangrou por dentro. e por fora, suor. Muito suor. Em meio à rua, entre as pessoas que passavam apressadas, com o sol derretendo o cérebro do mundo e o calor brotando do chão fervente, ele, com uma camisa social abotoada até o pescoço, calça de linho e sapatos encerados, com os olhos ardendo de tanta luz, perguntou:
 - Por que a confusão é uma parte de mim?
E no mesmo ínterim, quase como um corte à pergunta, ele mesmo responde, mas como se fosse outro,

 - Não se sabe mesmo...

Resolveu ir para casa. Não se recordou de ter compromissos, mais nada, além de passar pela varanda da casa, tirar os sapatos, meias e entrar de roupa no chuveiro. Ficou por lá alguns bons minutos. Depois disso. deitou na cama e apagou.

Dia seguinte acordou. A casa escancarada, como havia deixado no dia anterior. A pasta com os relatórios estava jogada no corredor. Tomou outro banho e vestiu-se, silenciosamente. Foi ao boteco da esquina, tomou um pingado e fumou um cigarro. Trabalhou. Foi encontrar com a mulher em um restaurante, na hora do almoço. Ela falava copiosamente, quase que sem respirar sobre o relacionamento deles. Ela precisava de mais. além do que ele estava dando à ela. Reclamava de atenção, carinho,
 - Você não repara em mim ai esse vento vai acabar com meu cabelo por que você escolheu uma mesa na área de fumantes você também provoca ah sabe a estela então meu filho pegou o marido com outra Nossa te falei que vi um vestido chiquérrimo pra ir na festa da Laura mas achei um pouco caro droga minha unha quebrou aqui tá muito quente o meu suco é sem açúcar você já foi ver a sua roupa pro casamento do seu primo às vezes parece que você não bate bem da cabeça esqueci de te falar o Umberto vai ser pai e eu que pensei que ele fosse gay menino essa comida demora assim mesmo o vestido ficou tão bem em mim que eu acho que vou fazer esse sacr

- Cala a boca. Acabou.
 - Acabou o quê?
_ Tudo. Noivado, conversa, sexo, paciência, amor. Acabou tudo. Não aguento mais a sua voz. Você está corroendo meus miolos com essa voz chata. Tô indo embora. Não me liga, não vem atrás de mim. Me esquece. Some.

Ela ficou lá, na mesa petrificada. Ele pegou um táxi e sumiu entre os carros. Foi pro escritório e entre a neblina em seus olhos, pediu demissão. Desligou-se.Cortou o elo. dalí, caminhou até a praia. tirou a roupa e, de cueca, decidiu mergulhar no mar. Mergulhou, tomou um caldo daqueles. Apanhou da natureza como um judas em dia de sábado de aleluia. Foi cuspido pra areia, sentou-se para se recuperar. Decidiu que casaria, sim, mas com ele mesmo. selou um compromisso com seu próprio eu. para tentar, junto de si, se arrumar, se achar. caminhou rumo a um horizonte distante. Sem destino de chegada. Próxima parada: quem sabe?
Abortivo. ele sabe que é. Não se cupla por isso. Só quer ir embora. Não esperar por mais nada e mais ninguém. Mas precisa esperar um táxi, pelo menos... A espera por algo o faz morrer, a cada segundo. Aviltante momento. São nessas horas que ele é ele mesmo: um fugitivo, estrangeiro, genocida.

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